domingo, 5 de dezembro de 2010

"A Paz" segundo João Paulo II


      Alcançar a paz é a síntese e a coroa de todas as nossas aspirações. A paz como nos diz a nossa intuição - é plenitude e alegria. Para a instaurar entre os Estados, multiplicam-se as tentativas em encontros bilaterais e multilaterais, em conferências internacionais, e já mesmo alguns que assumem na primeira pessoa tentativas corajosas para estabelecer a paz ou afastar a ameaça duma nova guerra.  
     Mas, ao mesmo tempo, nota-se que nem as pessoas singulares nem os grupos conseguem resolver até ao fim os seus conflitos secretos ou abertos. Será então a paz um ideal que se encontra fora do nosso alcance? O espectáculo quotidiano das guerras, das tensões, das divisões semeia a dúvida e o desânimo. Focos de discórdia e de ódio parecem mesmo ser ateados artificialmente por alguns que não sofrem depois as consequências. E, com frequência demasiada, os gestos de paz são ridiculamente impotentes para mudar o curso dos acontecimentos, quando não ultrapassados e reabsorvidos pela lógica dominante da exploração e da violência.



       A timidez e a dificuldade das reformas necessárias envenenam as relações entre os grupos humanos, ainda que unidos entre si por uma história longa e exemplar; novas vontades de poder tendem a recorrer ao constrangimento do número ou à força bruta, para desbloquear situações, sob o olhar impotente e às vezes interessado e cúmplice de outros Países, vizinhos ou afastados; nem os mais fortes nem os mais fracos têm já confiança nos caminhos pacientes da paz.




      Por outro lado, o medo duma paz insegura, exigências de ordem militar e política, interesses económicos e comerciais levam à criação de arsenais ou à venda de armas de espantosa capacidade destruidora: a corrida aos armamentos prevalece então sobre as grandes tarefas da paz, que deveriam unir os povos numa solidariedade nova, fomenta conflitos esporádicos mas sangrentos e acumula as mais graves ameaças. É verdade: à primeira vista, a causa da paz está atingida por um hamdicap desencorajador.






      E todavia, em quase todos os discursos públicos, a nível nacional e internacional, raras vezes se terá falado tanto de paz de distensão, de entendimento, de soluções razoáveis dos conflitos, em conformidade com a justiça. A paz tornou-se o slogan que tranquiliza ou pretende seduzir. É, de certo modo, um facto positivo o de a opinião pública não suportar que se faça a apologia da guerra, e nem sequer que se corra o risco de uma guerra ofensiva.





        Mas para aceitar o desafio que se impõe a toda a humanidade, perante a difícil tarefa da paz, não bastam as palavras, sejam elas sinceras ou demagógicas. É necessário que o verdadeiro espírito de paz esteja presente a nível dos homens políticos, dos ambientes ou centros de quem mais ou menos directamente, mais ou menos secretamente dependem os passos decisivos para a paz, ou, ao contrário, o prolongamento das guerras ou das situações de violência. É necessário, no mínimo, que todos concordem em apoiar-se sobre alguns princípios elementares mas firmes, como por exemplo: os problemas dos homens devem ser tratados com humanidade e não com a violência; as tensões, os litígios e os conflitos devem ser regulados através de negociações razoáveis, e não através da força; as oposições ideológicas devem confrontar­se entre si num clima de diálogo e de livre discussão: os interesses legítimos de determinados grupos devem ter em conta os interesses legítimos dos outros grupos igualmente implicados, e as superiores exigências do bem comum; o recurso às armas não pode ser considerado como o instrumento apropriado para resolver os conflitos; os direitos humanos inalienáveis devem, em, todas as circunstâncias, ser salvaguardados; não é permitido matar para impor uma solução.




       Todos os homens de boa vontade podem encontrar estes princípios de humanidade na sua própria consciência. Eles correspondem à vontade de Deus sobre os homens, e para que se transformem em convicções sólidas junto dos poderosos e dos fracos, de modo a impregnarem todas as acções, é preciso dotá-los de toda a força possível. É necessária uma longa e paciente educação a todos os níveis.





       Não há paz sem justiça e sem liberdade, sem um empenhamento corajoso na promoção duma e de outra. A força que então se exige deve ser paciente sem resignação nem desânimo, firme sem provocação, prudente para preparar activamente o progresso desejado, que depressa se extingue. Contra as injus­tiças e as opressões, a paz é obrigada e abrir caminho adoptando uma acção resoluta. Mas tal acção deve levar já a marca do fim a que se destina, isto é, urna melhor aceitação recíproca das pessoas e dos grupos. Será regulada pela vontade de paz que brota das profundezas do homem, pelas aspirações e pela legislação dos povos. É esta capacidade de paz, cultivada e disciplinada, que nos alumia, para encontrarmos, perante as tensões e os próprios conflitos, as tréguas necessárias para desenvolver a sua lógica fecunda e construtiva. O que acontece na vida social interna dos Países tem uma repercussão considerável - para o melhor e para o pior, - sobre a paz entre as nações.






       A paz, como plenitude de vida, isto é, de verdade, de justiça, de liberdade, continua a ser o ponto mais alto do anelo e do empenho de todos os homens e de todos os povos. A Igreja serve a causa da paz, pregando critérios cada vez mais rigorosos de respeito pelos valores humanos, indicando mesmo, corno fez no Concílio Vaticano lI, caminhos concretos de internacionalização da autoridade para reduzir as tensões e, consequentemente, os armamentos. E ninguém, mais do que aqueles que arriscam a sua vida, pode ser sensível a esta paixão pela causa da paz.

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