terça-feira, 7 de dezembro de 2010

JUSTIÇA


 
       De algum modo, todos temos consciência de que, na transitoriedade deste mundo, não é possível realizar a plena medida da justiça. Talvez as palavras que tantas vezes se ouvem «não há justiça neste mundo» sejam o fruto dum simplismo demasiado fácil. No entanto, há igualmente nelas um princípio de profunda verdade. A justiça é num certo sentido maior do que o homem, maior do que as dimensões da sua vida terrena, do que as possibilidades de estabelecer nesta vida relações plenamente justas entre os homens, os ambientes, as sociedades e grupos sociais, as nações e por aí adiante.



    Todos os homens vivem e morrem com uma certa sensação de fome de justiça, pois o mundo não está em condições de satisfazer até ao fundo um ser criado à imagem de Deus, nem na profundidade da sua pessoa, nem nos vários aspectos da sua vida humana. E assim, através desta fome de justiça, o homem abre-se a Deus que «é a própria justiça». Jesus, no sermão da montanha, exprimiu-o de modo muito claro e conciso, dizendo: «Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados».
   Tendo diante dos olhos este sentido evangélico da justiça, devemos considerá-la, ao mesmo tempo, como dimensão fundamental da vida humana sobre a terra: vida do homem, da sociedade, da humanidade. Esta é a dimensão ética. A justiça é princípio fundamental da existência e da coexistência dos homens, e bem assim das comunidades humanas, das sociedades e dos povos. Além disso, a justiça é princípio da existência da Igreja como Povo de Deus, o princípio de coexistência da Igreja com as várias estruturas sociais, em particular com o Estado, e com as organizações internacionais. Neste terreno amplo e diferenciado, o homem e a humanidade procuram continuamente a justiça: é um processo perene e uma tarefa de suma importância.



         De acordo com as diversas relações e com os diversos aspectos, a justiça obteve, através dos séculos, definições cada vez mais apropriadas. Daqui, os conceitos de justiça: comutativa, distributiva, legal e social. Tudo isto testemunha como a justiça possui um significado fundamental para a ordem moral entre os homens, nas relações sociais e internacionais. Pode dizer-se que o próprio sentido da existência do homem sobre a terra está ligado à justiça. Definir correctamente «o que é devido» a cada um por todos e simultaneamente a todos por cada um, «o que é devido» (debitum) ao homem pelo homem em diversos sistemas e relações - definir e sobretudo realizar! - é coisa grande, para a qual todo o homem vive, e graças à qual a sua vida tem um sentido.



     Persiste, durante os séculos da existência humana sobre a terra, um contínuo esforço e uma luta contínua para ordenar com justiça o conjunto da vida social nos seus vários aspectos. É preciso olhar com respeito os múltiplos programas e a actividade por vezes reformadora de várias tendências e sistemas. É preciso, ao mesmo tempo, estarmos conscientes de que não se trata apenas de sistemas, mas da justiça e do homem. O homem não pode ser para o sistema, mas o sistema para o homem. Por isso, temos de nos defender do endurecimento do sistema. Penso nos sistemas sociais, económicos, políticos, culturais, que devem ser sensíveis ao homem, ao seu bem integral, que devem ser capazes de se reformar a si mesmos, as suas estruturas, de acordo com aquilo que é exigido pela plena verdade acerca do homem. Deste ponto de vista, é preciso valorizar o grande esforço dos nossos tempos, que tende a definir e a consolidar «os direitos do homem» na vida da humanidade dos nossos dias, dos povos e dos Estados. (...)
    É necessário, pois, que cada um de nós possa viver num contexto de justiça, e ainda mais que cada um de nós seja justo e aja com justiça na relação com outros, na relação com a comunidade, com a sociedade de que é membro... e na relação com Deus.



     A justiça tem referências e formas múltiplas. Há até uma forma de justiça que diz respeito àquilo que o homem «deve» a Deus. (...)
    Cristo deixou-nos o mandamento do amor do próximo. Nesse mandamento se encerra tudo o que diz respeito à justiça. Não pode haver amor sem justiça. O amor «ultrapassa» a justiça, mas, ao mesmo tempo, encontra na justiça a sua prova. Até o pai e a mãe, ao amarem o filho, devem ser justos para com ele. Se a justiça vacilar, corre perigo o amor.



      Ser justo significa dar a cada um o que lhe é devido. Isto refere-se aos bens temporais, da natureza material. O melhor exemplo, neste caso, pode ser a retribuição pelo trabalho ou o chamado direito ao fruto do próprio trabalho ou da própria terra. Mas ao homem é devido também o bom nome, o respeito, a consideração, a fama que tenha merecido. Quanto mais conhecemos o homem, tanto mais se nos revela a sua personalidade, o seu carácter, a sua inteligência e o seu coração. E tanto mais nos apercebemos - e devemos aperceber-nos! - do critério com que devemos «medi-lo», e o que quer dizer justo para com ele.
Por isso, é necessário aprofundar continuamente o conhecimento da justiça.
     A justiça não é uma ciência teórica. É uma virtude, é capacidade do espírito humano, da vontade humana e também do coração.





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