terça-feira, 7 de dezembro de 2010

SOLIDARIEDADE, segundo João Paulo II





 

   Se é verdade que «todos dependemos de todos» (Sollicitudo rei socialis) em todos os aspectos da vida humana, mais verdade é ainda no campo da actividade produtiva e da vida económica.
   Ora, esta interdependência, tão estreita e capital, pode ser suportada como uma coacção, ou então aceite e assumida como um dever moral. Quando é interpretada nesta segunda perspectiva - a única digna de vocação humana, individual e social - a interdependência transforma-se, de facto mais ou menos consciente, em valor : o valor da solidariedade.
Isto significa, caros representantes do mundo do trabalho, que as vossas actividades, ligadas às dimensões terrestres da vida humana, têm radicais implicações morais, e devem reger-se por critérios morais. De entre esses critérios, o primeiro é justamente o da solidariedade.




     Na Encíclica Sollicitudo rei socialis, várias vezes me ocupei desta noção fundamental, sublinhando que se trata de uma «categoria moral», de uma «virtude», e não de um «sentimento de vaga compaixão». Solidariedade é a «determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum». No mesmo contexto, acrescentei que este é o modo, o único modo de vencer «com uma atitude diametralmente oposta», «as causas que travam o pleno desenvolvimento»: a «avidez do lucro e a sede do poder» a todo o custo.





     A solidariedade é um imperativo que se vai impondo com necessidade cada vez maior, à medida que crescem as dificuldades de momento.
     O momento que o mundo do trabalho está a atravessar agora é indubitavelmente difícil, de um modo geral por causa dos aspectos decadentes que marcam negativamente o rosto da civilização, e, especificamente, por causa dos complexos fenómenos dependentes das rápidas, profundas e incessantes transformações no campo da ciência, da tecnologia, da automatização.
     Por outro lado, a solidariedade é uma característica que acompanha o desenvolvimento daquilo a que se costuma chamar «questão operária».






      A necessidade de eliminar abusos, de promover o reconhecimento de direitos inalienáveis, de garantir condições de trabalho conformes com a justiça e a equidade, «fizeram surgir e quase que irromper um grande impulso de solidariedade entre os homens do trabalho... Era a reacção contra a degradação do homem como sujeito do trabalho»; era a reacção do homem que recusa, como exige a nobreza do seu ser, a condição de instrumento produtivo, e quer justamente ser sujeito: real, efectivo, reconhecido.
     Este objectivo mantém ainda hoje um peso enorme: «Por isso, é preciso que continuemos a interrogar-nos sobre o sujeito do trabalho e sobre as condições em que ele vive. Para realizar a justiça destes entre si, são necessários novos movimentos de solidariedade dos homens do trabalho e de solidariedade com os homens do trabalho».




      Não podemos cansar-nos de defender, aprofundar e difundir o primado do homem sobre o trabalho.
     A crise actual de valores, que atinge e perturba tantas consciências, constitui um argumento mais para nos fixarmos no homem como objectivo, naquilo que o homem é, na verdade do seu ser.
      Mesmo quando se trata de nos empenharmos por um futuro de emprego tão pleno quanto possível, será a limitação das próprias ambições, a atenção ao outro, à sua dignidade, ao seu direito, será em suma o amor a fundamentar aquela possibilidade.




      A solidariedade é que vai salvar o futuro dos jovens. Salvar-vos-á a luta corajosa e tenaz contra o individualismo e contra a lógica do açambarcamento. A solidariedade é que salvará o futuro do mundo e da humanidade.
     É este o significado da árvore proibida por Deus aos homens: não a repressão do que quer que seja humanamente válido, mas a possibilidade duma melhor convivência humana.







      Para criar um mundo de justiça e de paz, a solidariedade deve destruir os fundamentos do ódio, do egoísmo, da injustiça, demasiadas vezes erigidos em princípios ideológicos ou em leis essenciais da vida em sociedade. No interior duma mesma comunidade de trabalho, a solidariedade elimina tendências para a distinção e a oposição, e leva a descobrir exigências de unidade inerentes à natureza do trabalho.






    A solidariedade recusa-se a conceber a sociedade em termos de luta «contra» e as relações sociais em termos de oposição irredutível de classe. A solidariedade, que encontra a sua origem e a sua força na natureza do trabalho humano e, consequentemente no primado da pessoa humana sobre as coisas, saberá criar os instrumentos de diálogo e de colaboração, de modo a resolver as oposições sem criar a destruição do opositor.
     Não, não é utópico afirmar que é possível fazer do mundo do trabalho um mundo de justiça.


Nenhum comentário:

Postar um comentário